Ela
era um livro mal escrito esquecido na estante. Meio sem cor, com alguns erros, umas
páginas rabiscadas e, curiosamente, com centenas de páginas em branco ao final,
tudo porque alguém achou que não valia a pena insistir numa estória tão sem
graça.
Não
se sabe ao certo por quanto tempo ela permaneceu largada naquela estante.De vez
em quando, alguém aparecia e folheava sem muito interesse aquelas páginas, mas
logo mudava de ideia e encontrava um livro mais colorido, cheio de aventura, ação...
Até
que um dia, um sujeito meio míope a tirou da estante, espanou o pó que se
acumulava sobre sua capa e a levou pra casa.
Ela
não entendeu nada! Aquele moço mal leu o que estava escrito na capa! Se
pudesse, ela teria gritado: “Ei, o senhor está enganado! A sessão de clássicos
fica à esquerda e a de ficção científica mais embaixo”. Mas, pensando bem, acho
que ela não teria gritado, afinal era tão boa a sensação de liberdade, sentir o
ar puro correndo sobre suas páginas longe da poeira da estante.
Já
nem importava mais pra ela se o moço míope iria além da página 2.O mundo havia
se tornado um lugar tão mais agradável desde que ele a salvou.
Pra
sua surpresa, ainda naquele dia, ele a segurou delicadamente, ajeitou os óculos
,sentou-se confortavelmente em sua poltrona e começou a ler cada uma de suas
páginas, como se ele estivesse faminto e aquelas palavras pudessem alimentá-lo.
Ela
ficou confusa. Qual seria o problema dele? Será que ele não estaria vendo todos
aqueles erros ?E todos aqueles rabiscos horrendos? E porque ele não se cansava
daquela estória como todos os outros?
Quando
a noite chegou, ele deitou-se exausto, depois de ter devorado cada uma daquelas
páginas. E ela ,ao contrário, encontrava-se insone na mesinha de cabeceira,
ainda sem acreditar que havia finalmente sido lida até o fim (ou melhor, até
onde havia sido escrita).
No
dia seguinte, ele a colocou sobre a mesa e procurou pelas páginas em branco. Parou
na primeira delas, e, sem pensar duas vezes, pegou uma caneta e começou a
escrever desenfreadamente em cada uma de suas páginas.
Ela
podia estar desesperada, com medo de ser rabiscada novamente, ou de ter suas
páginas amassadas, mas a essa altura, isso nem importava mais.
De
certa forma, ela sabia que aquele rapaz míope havia se tornado parte de tudo
aquilo, e que seria justo deixá-lo completar aqueles espaços em branco.
E
ele assim fez. Preencheu a brancura entediante com palavras lindas e cheias de
sentimento.
Ela
ainda não sabe explicar o interesse dele, talvez haja algo errado com aqueles
óculos .Mas, agora estava se sentindo tão feliz e finalmente completa, que isso
não faria a menor diferença.
Indira Lima
Beijobeijo
Sujeito de sorte esse...
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